Entrevista com Caldas Furtado

TCE tenta acabar com fama de “monstro”

Em entrevista a O Imparcial, presidente do TCE-MA, Caldas Furtado, destaca iniciativas para reduzir irregularidades em prefeituras por meio da educação e transparência

Reprodução

O discurso de dar uma pitada maior de transparência nas administrações públicas do Maranhão é animador. Mas, na prática, não é uma tarefa tão simples assim. O presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MA), Caldas Furtado, aceitou o desafio de buscar soluções para combater as irregularidades que atormentam gestões de prefeituras há anos. Após assumir o cargo no início deste ano, o presidente do TCE-MA reconhece não haver nenhum tipo de “varinha de condão” para exterminar a corrupção, mas adota um discurso otimista baseado em três alicerces de sua gestão: educação, transparência e controle concomitante. Objetivo é desmistificar a imagem de “monstro” do Tribunal.

Em entrevista ao jornal O Imparcial, Caldas Furtado revela que sua gestão não quer ser conhecida apenas por punir gestores que cometeram irregularidades. O presidente do TCE-MA entende ser necessário educar políticos, antes que eles desenvolvam atos ilícitos em suas administrações.

“O Tribunal não é um monstro que vive para assustar. O Tribunal é parceiro. O gestor tem que ver o TCE como parceiro e não como um monstro que ameaça, que promete punir”, afirmou Caldas Furtado.

Questionado se este modelo é realmente eficiente, o presidente do TCE-MA garante ser necessário agir preventivamente para combater as irregularidades administrativas, tendo em vista que o modelo de ação repressiva não tem surtido efeito. “Meu sentimento é que a coisa não está mudando não. Então, time que perde se muda. Então, esse é o propósito de mudar”, disse.

O Imparcial – Como está sendo o papel do TCE na sua gestão?

Caldas Furtado – Eu tenho dito, desde o primeiro momento, que o nosso maior desafi o é deslocar o foco da atuação do Tribunal de Contas de um modelo preponderantemente repressivo para um modelo preponderantemente preventivo. Nessa prevenção, estamos atuando em três dimensões: educação, transparência e controle concomitante.

O senhor destacou que a atuação do TCE está sendo preventiva. Como isso funciona na prática? Como é feita esta orientação?

Temos ações no campo preventivo, que passa primeiro pela educação. Já oferecemos inúmeros cursos este ano. Mas não é só isso: fizemos treinamentos, seminários. Pela primeira vez, conseguimos interiorizar nossas ações. É claro que os recursos não permitem nossos sonhos e a gente vai galgando os passos na medida das nossas possibilidades. Estamos procurando aproximação com o gestor público ou com seu representante de forma que venha ao tribunal espontaneamente tirar suas dúvidas, dialogar com nossos técnicos. Essa é nossa atuação no campo da educação.

Auxiliando no controle preventivo tem a questão da transparência, que inibe os malfeitos. Temos trabalhado fortemente nesse aspecto. Vamos lançar em junho uma plataforma de serviços, denominada “Contas na Mão”, que vai facilitar o acesso do cidadão aos dados que o Tribunal dispõe de toda a administração pública maranhense. Essa plataforma vai ser lançada dia 26 internamente e, externamente, em agosto. Hoje, os dados estão lá, mas de forma dispersa.

E, a par disso, tem o que nós chamamos de controle concomitante, que é o controle em que o auditor vai até o município para verificar fatos que estão acontecendo, de forma a prevenir o dano. Esse é o nosso grande desafio. Este ano, o TCE já esteve presente em todos os 217 municípios do estado do Maranhão, sem exceção, aplicando uma ferramenta que se denomina Índice de Efetividade da Gestão Municipal.

O que é este Índice de Efetividade da Gestão Municipal?

A ferramenta Índice de Efetividade da Gestão Municipal é o seguinte: ela mostra para o prefeito, para a administração municipal uma ideia de município ideal. Isso alcança sete áreas: saúde, educação, meio ambiente, tecnologia da informação, sustentabilidade e planejamento. De acordo com o modelo ideal, vamos ver como está o município em relação a este padrão. O município responde o formulário e, de posse do formulário, o Tribunal vai até o local verificar a veracidade das informações. A gente vai validar as informações apresentadas pelas prefeituras. Esse é um trabalho meramente educativo. O Tribunal não vai e nem poderia aplicar uma multa, uma sanção, porque o município está doente. Estamos prescrevendo o medicamento.

Esse trabalho que o TCE está desenvolvendo modificou o comportamento das prefeituras? Como estão os municípios maranhenses de acordo com o Índice?

Existem coisas que são perceptíveis e outras que não, até porque trabalhamos com metas a médio e longo prazo. Ninguém reverte, e não é nossa pretensão reverter uma concepção cultural da noite para o dia. Ninguém tem varinha de condão para transformar uma máquina pesada, cheias de vícios, em um poço cheio de virtudes. O Tribunal não é um monstro que vive para assustar. O Tribunal é parceiro. O gestor tem que ver o TCE como parceiro e não como um monstro que ameaça, que promete punir. Agora, nós não podemos, de forma nenhuma, abrir mão das medidas que têm caráter repressivo. Não podemos abrir mão de apreciar a legalidade de atos de contratos, de aplicar multa quando for o caso, de processar e julgar contas irregulares, etc. O que temos percebido é que essa ação, preponderantemente repressiva, não tem surtido efeito. Você questiona: isso mudou alguma coisa? Meu sentimento é que a coisa não está mudando não. Então, time que perde se muda. Então, esse é o propósito de mudar [para ações mais educacionais].

As irregularidades nas prefeituras têm aumentado nos últimos anos?

Penso que tenha havido uma mudança nas irregularidades. Num passado mais distante, era comum você abrir uma prestação de contas de prefeitos, por exemplo, e detectar omissão de receita. Hoje, você não vê mais isso porque o gestor sabe que o Tribunal de Contas detecta, com muita facilidade, esse tipo de irregularidade. Mas a respeito das licitações eu não percebo melhoras. A quantidade de irregularidades continua tendo um índice elevado. Por isso que a gente insiste no controle preventivo.

Como combater essas “novas” irregularidades?

Só usando educação, transparência e controle concomitante? É o que nos resta a fazer para evitar. Não consigo vislumbrar uma quarta ação. Todos nós temos essa consciência de que o caminho é este. Não há outra saída. Se transparência não resolver, se educação não resolver, e se estarmos presentes nos municípios não resolver, o que será de nós? O controle preventivo não afasta o controle repressivo, pelo contrário. O repressivo fortalece o preventivo.

O senhor acredita que exista solução para a corrupção?

Acredito que sim. Sou um otimista neste aspecto. Será que a corrupção no Brasil é uma invenção do momento ou desta geração? Estamos vendo agora o elucidar dos fatos. Estamos vendo, pela primeira vez, pessoas do mais alto nível de poder político e econômico sendo punidas. Então, me parece que o caminho tem que ser esse. Não pode ser outro. Tudo isso decorre do quê? De mudanças de técnicas como transparência, com lei de delação premiada, com maior liberdade e ação do Ministério Público, ação mais eficiente do Poder Judiciário. Esse é o caminho para tentarmos reverter esse processo cultural, que não se resolve da noite para o dia.

Em 2016, antes de sua gestão, estourou o caso envolvendo o fi lho do deputado Waldir Maranhão, que acabou sendo exonerado do TCE. Na época, Thiago Maranhão trabalhava em São Paulo, mas recebia mensalmente como assessor do TCE mesmo sem comparecer ao órgão. Depois deste caso, o que o TCE fez para que fatos como aquele não se repetissem?

A partir do dia 2 de janeiro deste ano, todos os servidores do Tribunal de Contas, sem exceção, que sejam comissionados, requisitados, passaram a assinar ponto eletrônico com a digital. Era um controle que, até então, não existia. Não que eu ache que isso seja o melhor modelo. Acho que nosso grande desafio é sair do modelo burocrático para um modelo gerencial. Nosso desafio não é cobrar do servidor ponto digital, é cobrar produtividade. Mas temos que passar por esse purgatório. Queremos motivar os técnicos e auditores a contribuir para o TCE. Começamos a trabalhar isso logo após a nossa eleição.

VER COMENTÁRIOS
Polícia
Concursos e Emprego
Esportes
Entretenimento e Cultura
Saúde
Mais Notícias