ALERTA

O perigo da água de lastro para o litoral maranhense

Pesquisador da Universidade Federal do Maranhão afirma que água de lastro é um dos principais vetores responsáveis pela movimentação transoceânica de organismos costeiros.

Reprodução

O litoral do Brasil tem 7.491 quilômetros de extensão, o que o torna o 16º maior litoral nacional do mundo. Já o do Maranhão está entre um dos maiores do país, com mais de 640 km de extensão, o que o torna o segundo maior litoral do Brasil, contando em linha reta, ficando a frente de estados como o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. E uma das maiores preocupações para preservar o ecossistema marinho deste litoral está relacionado ao uso da água de lastro, utilizada pelos navios nacionais e internacionais para compensar a perda de peso decorrente sobretudo do desembarque de cargas em áreas portuárias,

Os navios que transportam os maiores volumes de água de lastro, são os navios tanques e os graneleiros, para fazer este monitoramento existe um órgão mundial que é responsável pela gestão e controle do transporte marítimo: a Organização Marítima Internacional (em inglês, International Maritime Organization), que desde os anos de 1990 têm se preocupado em criar e aprimorar ações norteadoras para o gerenciamento da água de lastro.

Devido à grande intensidade e abrangência do tráfego marítimo internacional, a água de lastro é considerada como um dos principais vetores responsáveis pela movimentação transoceânica e interoceânica de organismos costeiros. Para saber que tipos de impactos ambientais podem estar ocorrendo no ecossistema do Maranhão, o uso de água de lastro está sendo objeto de estudo de pesquisadores  do estado. 

De acordo com Jorge Luiz Silva Nunes, professor do curso de Oceanografia do Departamento de Oceanografia e Limnologia da Universidade Federal do Maranhão e doutor em Oceanografia pela Universidade Federal de Pernambuco, em 2004 houve a Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento de Água de Lastro, sendo que o Brasil foi um dos países que estiveram presentes e que também assinou comprometendo-se com as tratativas de prevenir os efeitos potenciais provocados pela dispersão global de organismos aquáticos por meio da água de lastro dos navios. Em 2005, o estado brasileiro incorporou à NORMAM-20/2005 (Norma da Autoridade Marítima para o gerenciamento da água de lastro dos navios) ligada à Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil estas prerrogativas de controle e gestão da água de lastro. 

“No entanto não há nenhum tipo de legislação relacionada ao cumprimento de ações ligadas às diretrizes da IMO (International Maritime Organization), além da própria NORMAM-20 que infelizmente possui como única exigência apenas o preenchimento do Relatório de Águas de Lastro que também é repassada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, disse o professor.

Jorge Luiz Silva Nunes, explicou a O Imparcial, que durante a operação de lastreamento do navio, junto com a água também são capturados pequenos organismos que podem acabar sendo transportados e introduzidos em um outro porto previsto na rota de navegação.

Sobre até que ponto esses organismos podem interferir em nosso ecossistema marinho, o pesquisador faz um alerta, ressaltando que um dos principais problemas lembrados ao transporte transoceânico pela água de lastro é a dispersão de organismos e posteriormente com a sua possível introdução.

“Considerando apenas este panorama, podemos inicialmente classificá-lo como preocupante, pois cada tipo de ambiente (estuários, recifes, banco de algas) ou região oceânica (Oceanos Pacífico, Atlântico) possui o seu conjunto de organismos característicos e integrados à dinâmica ecológica local, resultantes de processos de seleção natural operados ao longo da evolução. Assim, um dado organismo aporta em um ambiente potencialmente “estéril” diante das suas características intrínsecas. Diante disso, muitas possibilidades podem acontecer no contexto ecológico. Como se trata de uma grande impressibilidade, os problemas ambientais podem ocasionar em competição com espécies nativas ao ponto extremo da extinção de algumas espécies até introdução de doenças, que podem modificar a configuração original das comunidades aquáticas. Em um cenário catastrófico Hollywoodiano podemos perder a biodiversidade heterogênea que temos no planeta, com cada fauna distinta e característica de uma determinada região, para transformá-lo em algo mais próximo daquilo que conhecemos como homogêneo”, avaliou Luiz Silva Nunes.

O pesquisador acrescentou ainda que, talvez a parte mais importante da preocupação global sobre a dispersão de espécies seja a disseminação de doenças. “Atualmente, em meio da pandemia do Sars-CoV2 (Covid-19), nossos pensamentos e atitudes estão mudando em muitos aspectos e a tendência será nos mantermos vigilantes por muitos anos. Eu trouxe esse foco do Covid-19 porque em pouco mais de trinta anos passamos por um problema mundial causada pelo Cólera, que coincidentemente ou não, teve como catalizador da sua disseminação a  água de lastro”, enfatizou Nunes, que deu uma entrevista a O Imparcial sobre o assunto.

Quatro perguntas para Jorge Luiz Silva Nunes

Aqui no Maranhão existe algum estudo das consequências negativas da introdução de espécies exóticas e nocivas que podem causar o desequilíbrio ecológico das áreas invadidas, desestabilização social de comunidades tradicionais; e a disseminação de enfermidades em populações costeiras ou algo parecido?

Sim. Temos vários exemplos estudados. Há estudos sobre microrganismos que chegam em água de lastro, que por sua vez podem se tornar em grandes problemas de saúde pública e saúde coletiva da nossa população. As consequências disso já foram registradas anteriormente, como é o caso da Cólera. Existem estudos em andamento que estão identificando microrganismos associados aos pescados consumidos para traçar seus perfis de contaminação. Temos registros de peixes e crustáceos oriundos do transporte por água de lastro e identificação de problemas ecológicos provenientes da sua introdução que tem mostrado estratégias de reprodução muito eficientes ao ponto de competir com espécies nativas, além de casos de desaparecimento de espécies nativas em função da perda de habitat em locais que servem como berçários para várias espécies. Os impactos econômicos sobre comunidades tradicionais em função da introdução de espécies não nativas, que não sejam patogênicas provindas de água de lastro, ainda não foram estudados. Mas, normalmente existem reclamações sobre a diminuição de recursos pesqueiros, à exemplo de alguns crustáceos. Porém, fica difícil dimensionar esta situação porque existem inúmeras possibilidades que podem ser a verdadeira causa dessa redução.

De que forma os estudos realizados pela Universidade Federal do Maranhão têm contribuído para a preservação de nossos mares e espécies marinhas?

Considerando o aspecto da água de lastro, os estudos realizados no estado do Maranhão sobre espécies não nativas ainda são tímidos.Existem poucos estudos e a sua maioria enfoca apenas a presença destes organismos. Os grupos estudados são variados e constituem em bactérias, microalgas, cracas, siris e peixes de pequeno porte.  A espécie não nativa trazida por água de lastro e com maior quantidade de informações é um peixe de pequeno porte Omobranchus punctatus, pois há um estudo em parceria com várias instituições nacionais e internacionais que descreve a possível rota de introdução na América do Sul. No entanto, ainda estamos ampliando os estudos com enfoque ecológico sobre a dinâmica de ocupação dos ambientes e competição com as espécies nativas sob monitoramento desde 2004. Os resultados ainda são incipientes e sigilosos, mas já prometem grandes novidades para a ciência. De maneira geral, todos os estudos realizados no estado do Maranhão que têm enfoque sobre a sua biodiversidade sempre contribuem como base do conhecimento do patrimônio natural e podem ser usados no balizamento de implementação de políticas públicas voltadas para o meio ambiente, tais como os órgãos gestores de meio ambiente e saúde.

O senhor tem conhecimento de alguma ação por parte de nossas autoridades para proteger nosso ecossistema?

Como mencionei acima, existe a NORMAM-20 que institui no território nacional diretrizes adotadas internacionalmente. Contudo, consiste apenas no preenchimento de um relatório técnico que é aplicado às embarcações que atracam. O relatório depois é destinado à Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil e a Anvisa. As limpezas de cascos são atividades comuns de manutenção dos navios, mas normalmente ocorrem no país de origem da embarcação. A incrustação de organismos  também é responsável pela introdução de espécies não nativas, mas normalmente a limpeza do casco ocorre em função da diminuição do desempenho do navio quanto em cruzeiro. A incrustação aumenta o atrito do navio na água, deixando-o mais lento e consumindo mais combustível. O tráfego de embarcações é controlado por meio do Sistema de Tráfego Marítimo da Marinha do Brasil (SISTRAM). Para ter uma ideia da quantidade de embarcações em trânsito no planeta você pode usar o aplicativo gratuito Marine Traffic. Tenho certeza de que você se impressionará!

Como estudioso desses impactos ambientais por conta da água de lastro, qual o alerta que o senhor faz para as autoridades?

A bionvasão foi detectada como um potencial problema mundial no início do século 20. No início dos anos 90 esta pauta entrou nas discussões mundiais como uma possível causa de perda da diversidade global e até  agora, após duas décadas do século 21, o estado do Maranhão ainda não demonstrou sensibilidade para tal situação. A única iniciativa de discussão sobre o assunto foi uma pífia audiência pública, onde nossos estudos foram ignorados pela ausência da comunidade acadêmica. A iniciativa positiva foi a realização do único Congresso Brasileiro de Bioinvasão, que apesar da sua envergadura e da presença de vários especialistas, não despertou tanta atenção das autoridades para este problema. Portanto, o alerta que faço às autoridades se refere à consolidação das equipes de estudo dos órgãos públicos de gestão, pois são constantemente dissolvidas e os trabalhos ficam inacabados. Entramos em um ciclo de sucessões de ideias e prioridades que deixam de lado informações fundamentais de instrumentação e conhecimento da biodiversidade dos patrimônios naturais. Não podemos continuar sonhando alto com problemas como água de lastro e bioinvasão se desconhecemos a nossa diversidade, não temos a lista vermelha das espécies ameaçadas, não conhecemos a eficácia das nossas Unidades de Conservação e não temos o plano de gerenciamento costeiro do segundo maior litoral brasileiro. Apesar tudo mencionado anteriormente ser extremamente necessário para garantir a conservação da nossa biodiversidade é importante lembrar que ainda é necessário a criação de leis estaduais relacionadas aos problemas das espécies não-nativas, incluindo principalmente as espécies cultivadas que podem ser consideradas como risco potencial de declínio populacional de espécies nativas, principal as espécies de importância comercial.

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