DIA INTERNACIONAL DA MULHER

O que faz uma mulher inspiradora?

Sem padrões, regras ou limitação, maranhenses contam como vencem o preconceito com doses de inspiração de suas histórias de vida

O que de fato faz uma mulher inspiradora? Todas nós temos a oportunidade de mostrar o que é ser mulher todos os dias e inspirar o mundo a nossa volta. Não é o fato de ela atingir um padrão de beleza muitas vezes inatingível ou se dividir em mil para provar que dá conta do trabalho. Inspirar é o que uma mulher faz todos os dias com a vida dela e com as pessoas que estão ao seu entorno.

A realidade em geral assusta. Somos alvo constante de uma fragilidade que não é nossa, escrachada em dados. Segundo o IBGE, as mulheres dedicam, em média, 18 horas semanais a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, 73% a mais do que os homens (10,5 horas). A diferença chega a 80% no Nordeste (19 contra 10,5). Mesmo com jornadas de trabalho parciais (28,2% das mulheres ocupadas em cargos de até 30 horas semanais, contra 14,1% dos homens), as mulheres ainda trabalham mais que os homens. Combinando-se as horas de trabalhos remunerados com as de cuidados e afazeres, a mulher trabalha, em média, 54,4 horas semanais, contra 51,4 dos homens.

Sem contar que possuímos um nível de escolaridade muito mais elevado que o deles (73,5% de frequência escolar, contra 63,2% dos homens), ainda somos vitimadas pelo grande número de homicídios, violência doméstica e assédio.

“Nós sabemos que isso é cultural. A mulher tem ganhado mais espaço no mercado de trabalho, no entanto, em cargos de poder e decisão, ainda é muito difícil encontrar mulheres. E quando há mulheres em cargos como esses, não existe equiparação salarial. Os homens ainda ganham mais do que elas mesmo ocupando os mesmos espaços. Parte da mulher não aceitar essa diferenciação, e isso inclusive é um assédio moral”, explica a Vice-presidente da Comissão da Mulher da OAB-MA, Vivian Bauer.

Rosas Negras

Tentando reverter realidades como esta, Jucimeire Rabelo é uma das mulheres inspiradoras que encontramos. Junto à um grupo de outras sete pessoas, ela promove o projeto Rosas Negras de fortalecimento e empoderamento voltado para meninas negras. Integrado ao coletivo Bantu Kunlê, no bairro da Jordoa, o projeto atende cerca de 20 meninas. “Nós tentamos fortalecer a ideia de coletividade nessas comunidades, juntando habilidades individuais com habilidades coletivas. O coletivo resgata o sentido de comunidade, pois acreditamos que um não é capaz de mudar, mas muitos podem fazer muita coisa”, conta ela sobre o projeto.

Jucimeire Rabelo, 45 anos.

Jucimeire Rabelo é profissional da assistência social. Aos 45 anos, casada e mãe de um filho, ela revela que suas motivações para inspirar meninas negras veio desde muito cedo.

“Eu já fui uma menina negra e sei o que ela passa. Seja pelas transformações do corpo, pela não aceitação ou por achar que não é bonita o suficiente. Já passei por muitos lugares invisibilizada pelo fato de ser mulher. Passamos, desde pequenas, por uma carga de cobranças tremenda, porque a nós é dirigido que devemos varrer casa, fazer arroz. Somos cobradas muito para isso e pouco para que sejamos mulheres independentes. É exigido de nós manter os homens em um lugar de privilégio. Temos que formar mulheres que devem definir o que fazer da sua vida e empoderá-la no sentido de voltarem a sonhar a ser o que ela quiser ser”.

Por meio de ações de formação política, como simples conversas sobre o que representa um cabelo, ou que representa uma maquiagem, o projeto Rosas Negras mapeia habilidades existentes em comunidades carentes, levando conceitos como empreendedorismo e autoafirmação de uma forma simples e de fácil entendimento.

“A gente acredita no poder transformador das ações colaborativas. Acreditamos que empreender, muito além de desenvolver habilidades, é também, transformar o seu meio. Pra nós, o desenvolvimento não é individual, passa pelo coletivo também. Quando a gente adentra as comunidades, a gente mapeia habilidades ali e tenta promovê-las em prol de todos”, explica Jucimeire.

 

 

A assistente social não deixa de perceber no seu dia a dia motivos para transformar a sua vida e a sociedade. “Uma vez eu fui com meu marido a um restaurante e ele é branco. Em todo momento, nós dois à mesa, o garçom só se dirigia a ele, até para perguntar o que eu iria escolher para comer. Ficamos nos questionando porquê eu parecia invisível para aquele garçom. Nessas pequenas coisas, vemos que o machismo e o racismo estão imbricados. Ninguém vai te dizer que você não pode fazer determinada coisa porque você é mulher ou mulher negra. Você vai ser constantemente desmotivada, ser subestimada, vão questionar o seu intelectual, duvidar do seu potencial profissional. E isso vai sempre vir em forma de brincadeiras bobas e comentários do dia a dia. ”, desabafa.

“Hoje, eu sou quem sou e sou extremamente orgulhosa por tudo que passei por isso me fez quem sou. Consegui me formar, encontrei o amor da minha vida, tive um filho, tenho minha família, faço algo que contribui para uma luta. Por essas razões eu sou muito mais do que feliz: eu sou livre. Eu passei por dificuldades, alegrias, mas não existe nada mais prazeroso do que poder dizer que eu sou livre”, Jucimeire Rabelo, assistente social

Mulheres que educam 

Ana Maria, 53 anos, é casada e mãe de dois filhos.

“Sou como boa parte das mulheres: dona de casa, mãe, profissional. Jornada bastante dura!”, foi assim que começou Ana Maria Matos, de 53 anos, quando pedi para que ela me contasse o que há de especial na sua rotina. Poucas linhas descrevem a realidade tripla da maioria das mulheres, mas que representam motivos suficientes para definir a liberdade de poder estar onde, como e da forma que querem estar.

O maior desafio da minha vida sempre foi mostrar aos meus filhos os caminhos e para onde eles nos levam. Eu quero que eles possam fazer suas próprias escolhas também. Sou professora das redes Estadual e Municipal, de família pobre, tenho 9 irmãos. Com pais semianalfabetos, eu entendi desde cedo que só através da educação se consegue algo na vida. Estudei sempre em escola pública e me formei em Letras. Trabalhei três turnos durante muitos anos, e hoje com uma aposentadoria, trabalho durante o dia somente.

Ana Maria viveu, como muitas, reafirmando sua competência em ser professora, que a torna inspiradora por várias razões entre elas, pelo simples fato de ensinar. “Sendo professora me deparo sempre com casos de jovens fragilizadas pela violência. Com as alunas e familiares a gente tenta orientar a romper o silêncio. Temos muito o que conquistar para superar as desigualdades que não são poucas. Vale dizer que toda conquista foi às custas de muita luta, nada foi dado espontaneamente. Mas as mulheres, seres admiráveis, mostram a cada dia que vieram ao mundo para fazer acontecer e não obedecer. Eu digo que estamos na era do empoderamento feminino. É a mulher sendo dona de si”, diz ela convicta.

Ser quem quiser ser

Nem sempre elas priorizam a carreira. Mas ter o poder de decidir é o que faz de nós mulheres inspiradoras. Novos papeis e novas funções dentro da sociedade estão aí para ser ocupados.

“Querendo ou não isso faz parte do machismo, e a própria mulher é uma reprodutora do machismo. Ela reproduz isso dentro de casa, na educação das crianças, por exemplo, quando define que a filha deve lavar a louça e o filho deve ficar jogando videogame. É muito difícil encontrar uma mãe que divida as atividades domiciliares de igual pra igual, entre filhos homens e mulheres. O homem cresce com o pensamento de que ele tem que ser provedor. Já mulher sabe que ela ao tomar uma certa independência ela terá um trabalho triplo: ela tem de cuidar dos filhos, do trabalho e da casa”, acrescenta Vivian Bauer.

Vivian Bauer, vice-presidente da Comissão da Mulher da OAB-MA

À frente da Comissão das Mulheres, da OAB-MA, ela já acompanhou diversos casos em que o machismo não era uma prática comum só aos homens. “Quando a gente chega em uma comunidade, já temos a experiência de como funciona. As mulheres não querem seus parceiros presos, elas querem somente que eles deixem de agredi-las, seja física, moralmente ou psicologicamente. Então, nosso primeiro papel é preparar advogados para não julgar esse acontecimento, sem conhecer a realidade da convivência com um companheiro agressor. Em segundo lugar, temos uma conversa com ela, explicando quais são os seus direitos e medidas que podem ser tomadas, inclusive uma medida protetiva. Mas as vezes elas querem apenas uma ajuda de conscientização do parceiro. Muitas possuem um vinculo de sustentação com eles. Então elas tem receio de perder o provedor do lar, de perder o padrão social, principalmente quando há filhos. A mulher aceita ser violentada, porque se sente incapacitada a ponto de se sujeitar a esse tipo de situação”.

Vivian conta que nas ações da comissão, o objetivo é fazer que as mulheres estejam presentes tão quanto os maridos ou os filhos. “Nós gostamos quando os pais e os filhos homens participam, porque nos tentamos conscientizar toda a família. Conversamos para que eles a partir desse momento dividam o trabalho. Que os pais criem seus filhos para que eles não entendam que eles são somente provedores, mas que eles devem colaborar e eles tenham uma outra visão da função da mulher. Essa é uma luta das mulheres em parceria com os homens. Lutamos pela paridade de direitos e não pelos extremismos”.

A comissão da Mulher faz ações sociais em bairros e municípios de todo o Maranhão, promovendo palestras e diálogos sobre empoderamento e levando para as mulheres mais consciência sobre seus direitos. “Achamos de suma importância  falar de feminicídio e de violência doméstica, mas também tentamos deixá-las cientes do que elas são capazes”, exemplifica.

As pessoas que tem interesse de contar com o apoio da comissão da mulher basta se dirigir ate à sede da OAB, onde podem solicitar um acompanhamento em processos, investigações e apurações. Em parceria com a Casa da Mulher Brasileira, a comissão assume o papel de contato, acolhimento e acompanhamento de mulheres em situação de violência que se sentem desamparadas. “Ajudamos ela se estiver sem advogado, encaminhando para defensoria publica, fazendo acompanhamento do processo legal e vendo se as investigações estão sendo devidamente apuradas”, explica Vivian.

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